O Mais Longo dos Dias, A Virada da Frente Ocidental - Os Desembarques da Normandia, 1944

"Soldados, Marinheiros e Pilotos das Forças Aliadas Expedicionárias: Vocês estão prestes a embarcar em uma grandiosa Cruzada, para a qual treinaram por muitos meses (...) os olhos do Mundo estão voltados para vocês. As esperanças e preces dos povos amantes da liberdade estão com vocês."

O trecho acima foi retirado do discurso escrito pelo General Eisenhower, chefe da Força Expedicionária Aliada no Ocidente, e entregue à todos os soldados, marinheiros e pilotos que participariam da maior operação anfíbia de toda a História Militar, a Operação Overlord (Suserano), mais conhecida como "O Dia D"

Soldados norte-americanos desembarcando na praia de Omaha, às 7 horas da manhã (horário local) de 6 de Junho de 1944.
 
4ª leva de soldados norte-americanos desembarcando nas praias da Normandia, para reforçar as unidades aliadas que, nesse ponto, já haviam levado a luta para além das praias.
 
O "Dia D", por alguns historiadores, é considerado o ponto alto da guerra, mostrando definitivamente que os alemães estavam na "beira do precipício", enfrentando, novamente, uma guerra em duas frentes.
 
Um plano de invasão à Europa Ocidental, transformada por Hitler na famosa "Fortaleza Europa", estava sendo planejado e desenvolvido desde fins de 1943 e início de 1944, quando as forças anglo-americanas começaram os desembarques no litoral da África (Operação Tocha) e os desembarques na Sicília e no Sul da Itália (Operação Husky), sendo essas operações consideradas "testes", já que foi a primeira vez em quem forças anglo-americanas sincronizavam operações de desembarque desde o início da guerra.

Mapa tático mostrando os pontos de desembarque das forças anglo-americanas durante a Operação Tocha - Novembro de 1942, que se finalizaria com a tomada da Tunísia em 1943.


Mapa da Sicília durante a Operação Husky, a Invasão da Itália, Julho de 1943.

Assim, com esses "testes" já provando que uma operação anfíbia em larga escala e utilizando-se várias forças militares distintas coordenadas por um Comando Central, já em 1943, logo após a conferência em Casablanca, Marrocos, foi decidido a inicialização do Plano Cossac, o Desembarque de forças aliadas na Costa ocidental da Europa, abrindo uma 2ª Frente definitiva contra os alemães, na tentativa de acabar com a guerra mais cedo e diminuir a pressão sobre o Exército Vermelho, na Frente Oriental.

A invasão da França começou a ser planejada pelo então Chefe de Equipe do Comando Supremo Aliado, General Sir Frederick Morgan, levando em conta as ações anglo-americanas no Norte da África e na Itália e também aprendendo com os erros cometidos no desastroso ataque ao porto fortificado de Dieppe, no norte da França (operação de fins de 1942, onde forças britânicas e canadenses desembarcaram em praias francesas para "testar" as defesas alemãs, e acabou sendo um desastre).


Equipamento e soldados britânicos perdidos durante o Ataque a Dieppe, Norte da França, Agosto de 1942.

O plano Cossac original foi a base para a Operação Overlord. Ele visava um ataque de duas esquadras, uma vinda diretamente dos Estados Unidos e outra dos portos ao sul da Inglaterra. Essas forças atacariam a Normandia, um dos setores mais "fracos" da Fortaleza Europa, e o desembarque nas praias teria os flancos protegidos por tropas paraquedistas britânicas e norte-americanas, que seriam jogadas atrás das linhas inimigas para controlas pontes, destruir ou capturas pontos fortes na retaguarda alemã e "atrapalhar" ao máximo que reforços alemães alcançassem as praias.

Pas-de-Calais foi rejeitado como local de desembarque pois e o ponto mais próximo do litoral da Inglaterra, levando os alemães a concentrarem a maioria de suas tropas nesse setor. A Normandia se manteve como a escolha central como teatro de operações.

 Mapa da Operação Overlord e o "caminho" que as forças aliadas tomaram após os desembarques.

Tudo corria como o planejado, com apenas algumas mudanças práticas sendo feitas no Plano Cossac original (tornando-o mais com a Operação Overlord que conhecemos hoje). A única coisa que ainda atrapalhava os planos de desembarque aliados era o Clima. O clima no Mar do Norte e no Canal da Mancha sempre foram um problema nas programações e desenvolvimentos de desembarques militares. 

Por conta do clima, a invasão fora adiada e adiada, desde Março de 1944. Por conta desses adiamentos, o perigo que espiões e aviões de reconhecimento alemães vissem o tamanho da frota e das forças terrestres que se concentravam no sul da Inglaterra fez com que o prazo final da invasão fosse jogado para Junho de 1944. Se não ocorresse em Junho, só ocorreria em 1945.

Tudo estava certo para que os aviões de transporte de tropas C-47 Dakota lançassem os paraquedistas americanos e britânicos na madrugada do dia 5 de Junho, porém uma tempestade inesperada atingiu em cheio o Canal da Mancha. Eisenhower não viu outra saída a não ser adiar a operação por 24 horas, e torcer para que o clima conspirasse a seu favor.


Paraquedistas britânicos prontos para embarcar em seu planador e serem lançados no flanco direito das forças de desembarque anfíbias. A Missão principal desses soldados britânicos era a de segurar qualquer tropa alemã que tentasse reforçar as fortificações litorâneas e o de capturar e controlar pontes e encruzilhadas estratégicas



 General Eisenhower em pessoa (no centro da foto) conversa casualmente com paraquedistas norte-americanos, todos já equipados e prontos para serem lançados atrás das linhas inimigas, com a missão de controlar pontos estratégicos e impedir que qualquer reforço alemão chegasse ao flanco esquerdo do setor de desembarque norte-americano


Por uma jogada do destino, a chuva e o vento acalmaram. Era essa a hora. O ataque foi lançado. Uma força aérea de mais de 20 mil aeronaves (de ataque e de transporte) alçaram voo na madrugada do dia 6 de Junho e uma grande armada de aproximadamente 5 mil navios (entre esses 1240 navios pesados de guerra) transportando mais de 190 mil soldados de diferentes nacionalidades, que atacariam 5 setores (praias):

No lado esquerdo do mapa da Normandia seriam os dois setores norte-americanos, as famosas praias de Utah e Omaha. No centro e na direita do mapa da península da Normandia estaria os setores britânicos e canadense (as praias de Sword, Juno e Gold). Os Paraquedistas foram os primeiros a entrar em combate, já que estavam em terra desde a madrugada do dia 6, enquanto a armada ainda atravessava o tempestuoso Canal da Mancha.

 Paraquedistas sendo lançados sobre a Normandia

Devido à direção do vendo, às baterias antiaéreas e aos campos alagados, muitos paraquedistas perderam a vida antes mesmo de verem combate real. Estima-se que todas as divisões aerotransportadas Aliadas que atuaram no Dia D (1 divisão britânica e 2 norte-americanas, de 15 mil soldados cada) entraram em combate com apenas 10% de seu efetivo, sendo que os outros 90% estavam mortos ou desaparecidos.

O desembarque nas praias começou por volta das 6:30 da manhã (horário local). As tropas aliadas que desembarcavam contavam com muitos equipamentos pesados, como por exemplo os Tanques Shermans DD (Donald Ducks), que eram tanques médios americanos M4-Shermans especialmente modificados para atuarem como blindados anfíbios de baixa profundidade. Nas praias de Utah, Juno, Sword e Gold o desembarque foi relativamente fácil. O apoio de blindados era decisivo e não havia tanta resistência alemã nesses setores (especialmente no setor anglo-canadense).

A o setor mais sangrento com certeza foi o setor norte-americano da praia de Omaha. Nesse setor os Tanques Shermans DD foram lançados ao mar muito cedo, e muitos afundaram no Canal da Mancha antes mesmo de chegarem às praias para dar algum suporte para as tropas. Estima-se que dos 30 tanques DD destinados à Omaha, apenas dois conseguiram chegar à praia, e esses dois acabaram atolados na areia e no cascalho da praia.

Outra dificuldade enfrentada pelos norte-americanos eram os grandes penhascos que apareciam imponentes no horizonte. Penhascos que variavam de 40 a 50 metros de altura, com casamatas, bunkers de concreto e um sistema de trincheiras no alto, onde os alemães faziam chover a morte sobre os que desembarcavam na praia. 

 Praia de Utah

 Soldados norte-americanos a caminho da Praia de Omaha

 Soldados norte-americanos a caminho da Praia de Omaha

Apenas na 3ª leva de soldados norte-americanos que Omaha começaria a cair em mão Aliadas.Em termos de comparação em Omaha morreram aproximadamente 3 mil soldados norte-americanos, dos 5 mil da 1ª e 2ª levas, enquanto nos setores de Juno, Sword e Gold a média não passou dos 500-600 mortos na primeira leva. Não é a toa que a Batalha da Praia de Omaha foi imortalizada no filme de Steven Spilberg "O Resgate do Soldado Ryan".

Já na tarde do dia 6 de Junho, a frente de combate já estava bem avançada. As tropas anfíbias já haviam se ligado à algumas unidades paraquedistas e começavam a avançar Normandia a dentro. Porém os objetivos principais do 1ª Dia de invasão, as cidades de Caen, Carentan e Bayeux não foram conquistados definitivamente. 

Levaria ainda mais 3 meses para que os efeitos do desembarque na Normandia fossem se mostrar definitivos no cenário da guerra. Muita luta ainda estava pela frente até a derrocada total da Alemanha.

Bônus:

Documentário "Heróis do Dia D" do Discovery Channel.



Cena Inicial do filme "O Resgate do Soldado Ryan", de 1998, que mostram o Desembarque na Praia de Omaha



Fontes: 

O Dia D - 6 de Junho de 1944 - A Batalha Culminante da Segunda Guerra Mundial, por Stephen E. Ambrose;
O Dia D - A Batalha pela Normandia, por Antony Beevor;
Atlas da Segunda Guerra Mundial - Todos os lados em combate, por David Jordan e Andrew Wies;
O Mais Longo dos Dias, por Cornelius Rian;
As Maiores Batalhas da História, por Nigel Cawthorne;
Enciclopédia das Guerras - Conflitos mundiais através dos tempos, por Adrian Gilbert.

Matheus Santos da Silveira
Professor de História formado pela PUCPR
Especialista em História Contemporânea e Relações Internacionais

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