Um confronto no sertão brasileiro em pleno século XIX: 15 raras fotografias da Guerra de Canudos

Guerra de CanudosMembros da Divisão de Artilharia Canet posando para foto na cidade de Monte Santo, base das operações do exército brasileiro na Guerra de Canudos. Na foto estão as temidas "matadeiras", apelido dado aos canhões Withworth 32, usados na última expedição militar enviada a Canudos, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

O sertão nordestino possui uma paisagem muito particular e hostil. Desde os tempos do Império se discute formas de como solucionar a miséria daqueles que habitam a região, entretanto, até hoje muito pouco se fez por essas pessoas. Foi neste cenário de descaso que uma figura mística conseguiu reunir dezenas de milhares de seguidores e fundar no antigo povoado de Canudos o Arraial de Belo Monte. Lá, se desenvolveu um sistema autossuficiente baseado em cooperativismo. O sucesso de Belo Monte se tornou cada vez mais evidente quando seus habitantes passaram a ir a outras cidades vender excedentes de produção, tornando-se o centro econômico de parte do sertão baiano. Esse novo modelo acabou chamando atenção da elite local, que se via ameaçada pelas ondas de migração de sertanejos para o povoado do místico Antônio Conselheiro.

Diferentemente da usual política imperial, a recém nascida República estava trazendo ao país uma postura de Estado cada vez mais autoritária. Se antes os sertanejos estavam à própria sorte, agora eles também tinham impostos a pagar ao governo. Isso evidentemente incomodou Antônio Conselheiro, que se recusava a pagar tais tributos. Foi o que bastou para a imprensa convertê-lo em uma ameaça à República, Conselheiro passou a ser referido como um monarquista com apoio internacional para combater o novo modelo de governo. O primeiro ataque a Canudos aconteceu em Outubro de 1896, quando a cidade de Juazeiro pediu auxílio às forças nacionais para conter um suposto ataque dos conselheiristas. O confronto foi rápido e, entre baixas dos dois lados, resultou na retirada da expedição, que não esperava real resistência dos canudenses. 

Após esse primeiro contato a República passou a reconhecer Canudos como uma verdadeira ameaça monarquista, estando decidida a dissolução do povoado. Já para os seguidores de Antônio Conselheiro, a resistência era a única opção. Foram armadas táticas de guerrilha que deram conta de derrotar outras duas expedições enviadas. Em um dos confrontos, inclusive, foi morto o respeitado Coronel Antônio Moreira César, conhecido como "o corta-cabeças". A repercussão das derrotas foi tamanha que uma quarta expedição, muito bem armada e mais preparada, foi enviada. Canudos finalmente caiu em 5 de outubro de 1897, com um saldo de cerca de 25 mil vítimas em um ano de conflito, Belo Monte resistiu até o último homem, e o exército brasileiro saiu vitorioso de sua mais desonrosa campanha: com exceção de um pequeno grupo de mulheres de crianças, todos os prisioneiros foram degolados.

A saga do exército brasileiro na luta contra os pobres sertanejos de Antônio Conselheiro rendeu à literatura nacional uma obra prima. O livro de Euclides da Cunha, "Os Sertões", colocou em evidência a dor e a miséria do sertão, tendo tido repercussão mundial. Durante a última expedição enviada pelo exército, foi mandado um fotógrafo para registrar o combate, era o primeiro conflito interno no Brasil a ser fotografado. Por falta de tecnologia, essas imagens não chegaram a circular nos jornais da época, tendo ficado esquecidas por décadas. Recentemente o Instituto Moreira Salles restaurou o acervo de inestimável importância documental, permitindo uma observação mais detalhada da Guerra de Canudos. 
(clique nas imagens para ampliar)
Guerra de CanudosVista parcial de Canudos ao norte, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosOficiais do 28º Batalhão de Infantaria, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosMembros do 39º Batalhão de Infantaria em ação, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosPrisão de jagunços conselheiristas, essa cena evidentemente se trata de uma simulação, e demonstra que a fotografia no século XIX buscava se assemelhar com o trabalho das pinturas, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosMembros do 12º Batalhão de Infantaria na trincheira, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosVista parcial de Canudos ao sul. Segundo o registro oficial do exército, foram contados 5200 casebres no arraial de Antônio Conselheiro, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosMembros do 40º Batalhão de Infantaria na trincheira,1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosCadáveres nas ruínas de Canudos, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosJagunço posa para foto junto a uma típica moradia dos seguidores de Conselheiro no Arraial de Belo Monte, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosNesta foto é possível constatar a dimensão da destruição causada pelo conflito, trata-se das ruínas da mais nova igreja de Belo Monte, a Igreja do Bom Jesus, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).




Guerra de CanudosVista parcial de Canudos ao norte, desta vez enquanto a cidade de Antônio Conselheiro, já derrotada, era incendiada, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Guerra de CanudosMulheres e crianças canudenses prisioneiras, este foi um dos poucos grupos de prisioneiros (apenas algumas centenas de uma população de mais de 5 mil habitações) que não foi morto pelo exército, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).
 Guerra de CanudosJagunço conselheirista prisioneiro ao lado de alguns membros do exército, ele seria degolado logo em seguida, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).
 Guerra de Canudos
Corpo morto do místico Antônio Conselheiro. Ele morreu supostamente vítima de uma disenteria antes mesmo do fim do combate em Belo Monte. Seu corpo já estava sepultado e foi exumado pelo exército, que o fotografou e cortou sua cabeça, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

Bônus: uma análise das fotografias de Canudos pela Professora Walnice Nogueira Galvão, especialista na obra de Euclides da Cunha.

Fontes:
CUNHA, Euclides. Os Sertões - Campanha de Canudos. 1ª edição: Rio de Janeiro, Laemmert, 1902.
http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/edicoes/45/artigo240086-1.asp
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=13812&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia
http://www.blogdoims.com.br/ims/divisoes-do-sertao-conversa-com-walnice-nogueira-galvao/
http://fotografia.ims.com.br/Sites/index.jspx

Bruno Henrique Brito Lopes 
Graduando em História pela Universidade Católica de Pernambuco. 

Sobre este site

O Projeto História Ilustrada é uma iniciativa acadêmica apoiada pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e pela Fundação Antõnio dos Santos Abranches (FASA). Todos os autores deste site são formados ou estudantes do curso superior em História. Nós usamos técnicas de redação compatíveis com a linguagem da internet com o objetivo de disseminar o conhecimento e paixão pelos estudos históricos.

25 comentários:

  1. Pelo que me consta, Jagunço é um mercenário pago para realizar um serviço de morte ou de acuo à populações ou pessoas a mando de outros.
    O fato de chamar o povo que combateu ao lado de Conselheiro de jagunços, tira parte da verdade da história, tornando-a tendenciosa. Talvez fosse mais provável haver jagunços no meio da infantaria imperial que no meio dos devotos de Antonio Conselheiro. Seria como chamar guerrilheiro de terrorista.

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    1. Obrigado pelo comentário, amigo Ivan. Concordo com esse pensamento, usei a palavra muito mais pelo fato dela estar no título oficial das fotografias (feita pelo próprio fotógrafo).

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    2. e nao pesquisou a etimologia da palavra? so colocou porque achou bonitinho foi!!!!

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    3. O que dar a entender em meio ao que li embaixo das fotos é que o povo que estava implantado um sistema de autossuficiência, que ia fiar livre dos SENHORES, simplesmente foram massacrado. (Naquela época o sistema capitalista já reinava como hoje, e que continua massacrando a população trabalhadora. ) "Lá, se desenvolveu um sistema autossuficiente baseado em cooperativismo. O sucesso de Belo Monte se tornou cada vez mais evidente quando seus habitantes passaram a ir a outras cidades vender excedentes de produção, tornando-se o centro econômico de parte do sertão baiano. Esse novo modelo acabou chamando atenção da elite local, que se via ameaçada pelas ondas de migração de sertanejos para o povoado do místico Antônio Conselheiro."

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    4. Llosa em seu livro sobre Canudos diz que: "Algo significativo: as pessoas de Canudos se chamam a si mesmos jagunços, palavra
      que quer dizer elevados." Então pode ser isso que o fotógrafo chamou o pessoal de Canudos de jagunços.

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    5. Interessante, pois em Grande Sertao: Veredas são chamados de jagunços, mas são livres.

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    6. O fotógrafo Flávio de Barros não leu o livro A guerra do fim do mundo, de Vargas Llosa, qu foi escrito quase um século depois da guerra, e se trata de um livro romanceado sobre um fato verídico. A palavra jagunço tem suas variáveis de sinônimos, mas no sertão baiano, tem o sentido de mercenário, e nas citações com relação ao povo de Canudos, a intenção é reduzi-los ao banditismo.

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    7. Ivan, no caso seria a infantaria republicana não é já que conselheiro e arraial de canudos era monarquista .

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  2. isso é a glória do exército brasileiro: massacrar uma comunidade de camponeses miseráveis do seu próprio povo e que em nenhum momento representou qualquer ameaça à paz e a ordem social no país mesmo naquela época.essa é uma das páginas mais vergonhosas da história do Brasil e que é pouco conhecida pela maioria dos nossos estudantes,infelizmente.

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  3. Para entender o sertão é preciso entender o ciclo da natureza, o sertão não representa morte, o homem sertanejo e a natureza não vivem no último suspiro... Vivem a re(existência). O Ser.tão tem sim, muito de vida e fortaleza... Uma informação: o bode não é o único animal que sobrevive à seca, existem répteis, insetos, dentro vários outros animas que contribuem para a manutenção do ecossistema, eles poupam suas energias na seca, na primeira chuva, o sertão é pura poesia... a vida (re)surge de todos os cantos entoada por muitos outros cantos de tantos animais que aparecem por ali... As sementes tem uma programação exata para nascer, umas nascem na primeira chuva, outras na segunda e assim por diante, uma vai possibilitando vida para outra... O homem sertanejo tudo assiste, com tudo aprende, um homem que nos pés tem raiz, no coração força e resistência, sabe, ser natureza é ser.tão.

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  4. Essa análise da Professora Walnice é terrivelmente preconceituosa e reducionista. O único animal que sobrevive é a cabra que come pedras e latas? Deve ser por isso que aqueles senhores de jibão de couro são chamados de vaqueiros, então. Quem se estranha com sertanejos agalegados deve definitivamente voltar aos livros de história do secundário. Ela chega ao absurdo de dizer que a caatinga é um bioma pobre, semelhante à Lua.
    Só mesmo uma boa cheia do Vaza-Barris para lavar tanto preconceito.

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  5. Isso eu não sabia. Aprendi que essas revoltas eram erradas e precisavam de ordem do governo vigente. Até hoje é assim. O poder vigente coloca o mais fraco como culpado e que o governo é o salvador da pátria.
    Evidencia que precisamos de mais pensamentos críticos e deixar as novelas de lado.

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  6. Muito bom um retrato dos acontecimentos da historia brasileira!!! eu adorei !

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  7. Nunca vi uma pessoa tão ignorante falando tanta lorota, como pode uma pessoa não conhecer o lugar e falar do lugar, ela não sabe o que falou, falou por falar.

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  8. Permito-me corrigir uma imprecisão: os militares que combateram em Canudos e destruíram o arraial de Monte Belo não eram parte da "infantaria monarquista" como acima descritos. Recordo que a chamada "Guerra de Canudos" ocorreu nos anos de 1886 e 1887, em pleno período republicano. Aliás, deve-se recordar que um dos objetivos do "Conselheiro" era restaurar a monarquia, o que certamente irritou o governo republicano há pouco instaurado.

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  9. Profa. Professora Walnice Nogueira Galvão,
    Desejo que a sra. ainda estude sobre a "Caatinga". Em que mundo a sra. vive?

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  10. Eu sou sertanejo de Monte Santo, lugar que fez parte dessa história, pois era lá que as tropas militares acampavam, e de lá, eram traçadas as estratégias de guerra, servindo a localidade de Quartel General. Durante muitos anos, estudei na escola a história tendenciosa, contada pelos livros produzidos no sudeste, que afirmavam sempre que Conselheiro era Louco, Fanático, Messiânico. Hoje sei, que o genocídio que houve em Canudos não tem justificativa, a não ser a de um governo republicano contra uma organização social, primeira, talvez, tentativa de democracia em plena caatinga. "Jagunço" é bandido, e esse termo usado por Flávio de Barros, tem a intenção pejorativa, sim. Os homens que viviam em Canudos, eram Conselheiristas, sertanejos simples, que não roubavam, não saqueavam nem matavam. A caatinga, onde nasci, é um bioma rico, rico e de grande resistência. Tem uma fauna e uma flora, que não se revelam a qualquer olhar. É preciso se vestir de poesia e simplicidade para perceber a sua riqueza e beleza. Acho infeliz o comentário da professora Walnice Nogueira, quando diz que o único animal do sertão é a cabra, e que esta come lata e pedra. Faça-me rir. Essa senhora precisa de fato conhecer o sertão, a sua geografia, a sua fauna e flora, rica em flores silvestres, em pássaros, insetos etc. A falta de água não é o fim. É a falta de chuva que faz a caatinga ter a magia que tem, o poder de se revelar sempre. Não de renascer, pois a caatinga não está morta. Ela adormece com poucas folhas, com poucas flores, com poucos frutos, a espera da chuva. E quando chove, essa caatinga se veste de um outro verde. É uma festa! É preciso entender a História de Canudos sobre outra ótica, que não seja a do pensamento reacionário, fatalista.

    IVAN SANTTANA

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  11. Bruno, em seu texto você faz referência a Monte Santo, como sendo a própria Canudos. (...Monte Santo resistiu até o último homem, e o exército brasileiro saiu vitorioso de sua mais desonrosa campanha: com exceção de um pequeno grupo de mulheres de crianças, todos os prisioneiros foram degolados) Canudos se chamava Belo Monte, passou a se chamar Canudos, pelos militares, devido a grande quantidade de uma planta, que servia para o sertanejo fazer piteiras, cachimbos, existir ali, em abundância. A cidade de Monte Santo serviu de Quartel General das tropas militares.

    IVAN SANTTANA

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    1. Boa observação, passou batido na revisão do texto, obrigado por avisar!

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  12. O massacre de Canudos é a pagina negra da história do glorioso exercito brasileiro. essa república corrupta e injusta , compo fértil para implantação de uma ditadura comunista, só se consolidou por conta das ações do sanguinário Floriano Peixoto. Infelismente.

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  13. Para que alguém possa fazer um comentário, primeiro precisaria ler "Os Sertões - Campanha de Canudos", texto integral, de Euclides da Cunha, com as mais de 1000 notas explicativas, em 637 páginas. É um dos maiores e melhores livros escritos por um brasileiro e, talvez, o menos conhecidos pelos brasileiros. Mario Vargas Llosa considerou o livro a maior obra literária brasileira, por isso, escreveu a obra ficcional "A Guerra do Fim do Mundo", onde misturou personagens e fatos reais com outros, fictícios.

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