Descubra como era o Natal na Alemanha Nazista em 15 fotos e alguns relatos intrigantes


"A essência da propaganda é ganhar as pessoas para uma ideia de forma tão sincera, com tal vitalidade, que, no final, elas sucumbam a essa ideia completamente, de modo a nunca mais escaparem dela."
Joseph Goebbels

A história da Alemanha Nazista já é famosa por ser repleta de detalhes peculiares - alguns apenas curiosos, outros extremamente assombrantes - isso se deve principalmente pelo pesar ideológico inédito que se tomou naquela experiência ultra-nacionalista. Antes de mais nada, é necessário compreender o contexto e as intenções que levaram à formação de um pensamento político tão contagiante, seja pelo amor ou pelo ódio.

Observar a postura tomada por Hitler em algumas ocasiões estratégicas pode ser um caminho para entender a lógica por trás do pensamento nazista. A celebração do Natal é um exemplo categórico de impasse ideológico que deveria ser resolvido: a festa do nascimento de Jesus Cristo, figura de clara origem judaica, era uma afronta à doutrina racista difundida pela propaganda nazista. A solução do Terceiro Reich, ao invés de eliminar a tradição tão fortemente enraizada na cultura nacional, foi substituir as referências cristãs por elementos pagãos da cultura nórdica e da simbologia do partido. As imagens presentes neste artigo são originárias de duas fontes: o acervo histórico da revista estadunidense Life, que comprou diversas coleções de fotógrafos do Reich; e uma exposição (que depois resultou em um livro) desenvolvida com base no trabalho de pesquisadores do Centro de Documentação Nacional-Socialista da cidade de Colônia, no oeste da Alemanha.

"Celebrar o nascimento de um judeu era impensável para os nazistas. Portanto, decidiram corromper o significado do Natal."
Jürgen Müller, historiador alemão

(Hugo Jaeger/Getty Images)
A ciência viveu uma explosão de entusiasmo nas primeiras décadas do século XX. Diversas práticas anteriormente realizadas sem qualquer rigor ou metodologia agora passavam pelos moldes acadêmicos. História, Antropologia, Psicologia e outros campos das Ciências Humanas eram novidades tanto quanto a chamada Eugeniatambém conhecida como darwinismo social, uma suposta ciência baseada numa visão "industrial" da Teoria da Evolução proposta pelo biólogo Charles Darwin. Com um ponto de vista modernista, os adeptos da Eugenia apoiavam o uso de métodos para manipular e "acelerar" o processo de evolução da espécie humana


Pessoas consideradas geneticamente inferiores deveriam ser eliminadas ou segregadas sistematicamente das demais, no que incluía deficientes físicos e mentais, etnias não-europeias, doenças hereditárias e tantos outros elementos fora do padrão desejado. Assim, os eugenistas esperavam que se desenvolvesse uma "raça superior" de humanos com traços genéticos cientificamente selecionados.
Festa de natal com membros do alto comando nazista, Munique, 1941. (Hugo Jaeger/Time & Life Pictures/Getty Images).


(Hugo Jaeger/Getty Images)
Diferente do que se pode imaginar, não apenas a Alemanha, mas praticamente todo o mundo ocidental, inclusive Estados Unidos e Inglaterra, flertavam com a ideia de "construir uma sociedade superior". Até mesmo o Brasil teve adeptos disseminadores dessa proposta de "aperfeiçoamento", entre eles o escritor Monteiro Lobato.

"Precisamos lançar, vulgarizar estas ideias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha."
Monteiro Lobato (1926)


Perceba a importância de atribuir data à citação do escritor brasileiro (7 anos antes da chegada do Partido Nazista ao poder na Alemanha, quase 20 anos antes da revelação dos horrores do Holocausto), ela deixa pistas para entender como se deu a falência da proposta da Eugenia: as atrocidades realizadas em seu nome durante a Segunda Guerra Mundial. Foi nesse contexto que os inimigos de Hitler começaram a buscar razões para se diferenciar do Estado Nazi-fascista, observando com um olhar mais crítico algumas de suas práticas. 


Através da Eugenia os Aliados procuraram condenar as potências do Eixo, atribuindo razões ideológicas para convencer a população de que havia a obrigação moral de vencer a guerra. A perseguição dos judeus e outras minorias foi divulgada como um crime contra a humanidade, entretanto, a opinião pública por muito tempo foi levada a crer que havia um certo "exagero" por parte do que se divulgava pela imprensa aliada. Mas com o fim da Segunda Guerra e a revelação dos campos de concentração e suas milhões de vítimas,  o mundo entrou em estado de choque, fortalecendo o discurso baseado na defesa da ética na ciência.  Era o fim da Eugenia e de outras vertentes científicas questionáveis, como o uso de cobaias humanas na Medicina. 

Festa de natal com membros do alto comando nazista em Munique, Alemanha, 1941. Era o mês de dezembro mais angustiante possível para as forças armadas alemãs, que amargavam a cada dia violentas baixas no front oriental, sofrendo diante do temido "General Inverno" russo. (Hugo Jaeger/Time & Life Pictures/Getty Images).

Esclarecida a fundamentação "científica" pela qual se baseava o partido, deve-se explorar a intensão de construção politico-ideológica por trás das medidas que foram adotadas pelos nazistas. A formação de uma "sociedade superior" deveria ser gradual, eliminando lentamente as influências indesejadas presentes em sua cultura. A coexistência com os "indesejáveis" seria cada vez menos tolerada e, ao passo que a doutrinação avançava, as leis segregacionistas se ampliavam. 

Nas escolas se ensinava às crianças que os deficientes eram improdutivos e representavam um peso a ser carregado pelo povo alemão. Até mesmo em aulas de matemática pedia-se para "calcular o prejuízo de conviver com improdutivos". Nas cervejarias circulavam folhetos em que os comerciantes judeus eram referidos como traidores e inimigos da nação, encorajando o boicote aos seus produtos e serviços. Com o tempo, espaços e serviços públicos passaram a ser proibidos para judeus, negros e outras minorias, o casamento entre "raças diferentes" já não era mais permitido. Tudo de uma maneira muito gradual, em que se plantava o ódio sem que isso parecesse um traço genocida.

O trágico fim das populações perseguidas pelo Estado Nazista já é conhecido. Mas o tema deste artigo é outro, a proposta é entender como Hitler pretendia dissolver a talvez mais consolidada referência semita na cultura alemã. Afinal, como o nazismo deveria lidar com uma religião baseada em um deus de uma "raça inferior"? Como desligar o cristianismo após a milenar convivência e construção mútua da história de seu povo? A resposta era a já usual gradualidade utilizada para tantos outros fins. 

"É inconcebível que a essência mais profunda do nosso Natal seja produto de uma religião oriental"
Friedrich Rehm, propagandista alemão (1937)

Enquanto a religião cristã permanecia inabalável, a alternativa era explorar e disseminar traços da cultura pagã nórdica no dia-a-dia da população. As cerimônias religiosas eram cada vez mais descaracterizadas, e isso se tornava escancarado no período natalino. Era a festividade mais popular do ano, cheia de adornos, canções e tradições. Assim, a propaganda oficial tratou de substituir cada referência cristã, desde trechos de músicas até os adornos presentes nas árvores. A suástica tomava o lugar da Estrela de Davi, e as referências ao paganismo (já presentes na celebração do Natal, que é um sincretismo romano) ganhavam destaque.

Decoração e presentes de Natal para serem distribuídos entre os pobres na Alemanha Nazista, 1935. Note o cartaz na parede à direita. (Autor desconhecido/Arquivo Federal Alemão).

(Von wegen Heilige Nacht)
Sob a supervisão de nomes do alto escalão da propaganda nazista, como Heinrich Himmler (enquanto Ministro do Interior) e o inconfundível Ministro da Propaganda, Joseph Goebbles, o governo procurou orquestrar as festividades fornecendo adornos com a imagem de Hitler, réplicas de granadas e suásticas, reelaborando canções tradicionais natalinas e até mesmo rebatizando o Natal com o nome de Julfest (em referência à ancestral tradição germânica de culto à luz, durante o solstício de inverno, próximo a 21 de dezembro).

"É claro que a propaganda tem um propósito. Contudo, este deve ser tão inteligente e virtuosamente escondido que aqueles que venham a ser influenciados por tal propósito nem o percebam."
     Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda da Alemanha Nazista

Eles também buscaram redirecionar o foco do Natal de Cristo para a família, substituindo toda simbologia em torno do seu nascimento na manjedoura em Belém para figuras modelo de uma tradicional família alemã, com bebês angelicais e vestimentas típicas, sempre realizando a releitura de cenas do Natal cristão.  

Foto encontrada em um cartão postal natalino em que Hitler aparece trocando presentes com algumas crianças em Estetino, cidade na fronteira entre Alemanha e Polônia, 1939. (Autor desconhecido).

O estudo dos impactos do nazismo sobre a celebração natalina foi realizado com base em um vasto acervo documental, no que inclui uma extensa coleção privada de elementos presentes em cerimônias oficiais do governo: decorações para as árvores, canções modificadas pela propaganda, catálogos de presentes e muito mais. O trabalho deu origem a um livro e uma exposição aberta ao público, o que permitiu observar o choque de realidade sobre idosos alemães que viveram aquele momento histórico, numa mistura de nostalgia e pavor sobre uma manipulação escancarada sob o ponto de vista externo, mas imperceptível aos olhos imersos de quem viveu sob o regime.

"Geralmente, os visitantes mais idosos ficam primeiro tocados pelas lembranças infantis que os objetos reavivam. Mas gradualmente veem o propósito por trás das coisas, algo de que não se deram conta quando eram jovens. E isso os assusta: perceber o uso que se fazia das coisas, e como suas crenças de criança eram usadas para os fins de propaganda."
Barbara Kirschbaum, responsável pela exposição

O livro, Von wegen Heilige Nacht! (sem versão na língua portuguesa), ainda esclarece como a Igreja Católica, mesmo indignada com o visível esforço de descristianização do Natal, tinha pouca relevância no país desde a década de 1930, sendo raramente citada na documentação da época. E termina comentando sobre o fim da Segunda Guerra, onde o Natal de 1944 perde o sentido doutrinador e assume a condição de luto pelos rumos irreversíveis que a guerra já tomava. 

A propaganda era onipresente nas festividades nazistas, o farto acervo da exposição contém centenas de exemplares que tocam a memória de quem viveu o regime e exploram o imaginário dos mais jovens. (AFP/Getty Images).

Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda nazista, com sua filha em uma cerimônia natalina em Berlim, capital alemã, 1935. (Autor desconhecido/Getty Images).

Adolf Hitler junto a outros oficiais nazistas durante a celebração natalina em Munique, Alemanha, 1941. (Hugo Jaeger/Time & Life Pictures/Getty Images).

Nesta outra fotografia da cerimônia de 1941 é possível identificar, além de Hitler, o segundo homem na hierarquia do Terceiro Reich, o Marechal Hermann Göring, à extrema esquerda. (Hugo Jaeger/Time & Life Pictures/Getty Images).


Essa fotografia é da mesma cerimônia das fotos coloridas da Revista Life, provavelmente foi registrada por outro fotógrafo. Note a fisionomia dos oficiais, será possível relacionar com os péssimos resultados no front oriental naquele gelado mês de dezembro de 1941? (Autor desconhecido/Getty Images).

Cerimônia de Natal com oficiais nazistas em 1944. (Autor desconhecido/Deuthes Historisches Museum).

A decoração presente na exposição dá um vislumbre obscuro das celebrações natalinas no Terceiro Reich (AFP/Getty Images).



Bruno Henrique Brito Lopes 
Graduando em História pela Universidade Católica de Pernambuco. 


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